O livro Sangue no Capim é constituído por uma série de narrativas nas quais, com algum artificialismo, Reis Ventura enaltece e glorifica a acção dos colonos e soldados portugueses, proclamando uma clara adesão à linha ideológica do governo de Salazar.
No prefácio o autor esclarece que a escolha do conto como forma narrativa foi a opção por uma “porta lícita da ficção à base do real” pela qual pretendeu esquivar-se “às exigências da exactidão histórica, quanto a pessoas, locais e circunstâncias”. Sem ter presenciado os factos, como Horácio Caio em "Os Dias de Desespero", Reis Ventura recria os quadros com base em histórias ouvidas e lidas em Luanda,de modo a que "com este singelo e confessado artifício, conseguir criar, à volta de certos lances mais expressivos, o ambiente emocional que os caracteriza como actos humanos e feitos portugueses"
Como é natural alguns dos episódios narrados são passados no Quitexe.
Transcrevemos, agora, aquele que nos permite cotejar os factos com o descrito nos textos de Felícia Cabrita no Expresso ou, mesmo com os relatos feito pelo próprio Vítor Poço ao programa da SIC efectuado na mesma altura.
Manhãs das catanas sangrentas
“Naquela roça das proximidades do QUITEXE, o patrão tinha-se levantado antes do nascer do sol, para arrumar umas contas na lojeca em que se abastecia o pessoal da sua fazenda e das vizinhas. Pouco depois a mulher e um filho de 14 anos levantaram-se também. As duas mocinhas uma de dez e outra de doze anos, continuavam a dormir, serenas e graciosas no seu quartito que era o melhor e o mais enfeitado da casa.
Por volta das seis e meia o branco abriu a porta da loja e ficou atrás do balcão, à espera dos habituais fregueses do copito matinal de vinho ou do cálice da rija.
Minutos decorridos, chegaram cinco pretos grandalhões, no jeito de quem vai para a tonga.
- Patrão, um copo de vinho1 – Pediu um dos do grupo. – Um copo grande…
O branco escolheu na prateleira um dos copos maiores, enxaguou-o na água da celha e curvou-se para o barril do palhete.
E neste acto de se curvar, ofereceu aos bandidos a posição que eles previam e esperavam. O golpe foi tão fundo e certeiro no pescoço, que o breve e lancinante berro do assassinado esbarrou contra a lâmina fria da catana…
Para além da porta de comunicação com a parte familiar da casa, a mulher apavorada por aquele grito, tinha tirado da mesa da cabeceira um velho revólver do marido e empunhava-o com mão trémula, prestes a desmaiar.
-Dê-me o revólver, mãe! – disse-lhe o filho de catorze anos. – E, por amor de Deus, não se deixe ir abaixo! Tenha coragem e vá acordar as minhas irmãs!
Contagiada pela decisão do filho, a pobre mulher obedeceu instintivamente. O moço dobrou a culatra do revólver e verificou que tinha as seis balas no tambor. Então abriu sem ruído a porta e, com uma serenidade terrível, abateu com cinco tiros seguidos, os cinco assassinos que antes de prosseguir a chacina, não tinham resistido à tentação de uma garrafa de aguardente…"
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Mudamente, a viúva e os órfãos transportaram o corpo para o carro e cobriram-no com um lençol. Depois, aquele rapazinho de 14 anos, a quem o pai deixava às vezes guiar a carrinha, sentou-se virilmente ao volante e, meio cego pelas lágrimas que teimavam em inundar-lhe os olhos, correu a avisar um tio que vivia noutra roça, a dezoito quilómetros de distância ...”
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REIS VENTURA - Ervedelo/Chaves, 1910 - Lisboa, 1992
Reis Ventura é o pseudónimo literário de Manuel Joaquim dos Reis Barroso. Tendo começado a sua vida pela Ordem de
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in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Lisboa, 1997
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Reis Ventura foi um dos escritores que integrou aquela que se pode classificar como a segunda fase da literatura colonial portuguesa de inspiração africana, no século XX. A primeira fase, representada por escritores como Henrique Galvão (1895-1970), Julião Quintinha (1885-1968) e Castro Soromenho (1910-1968), desenvolveu-se entre as décadas de 20 e 40 coincidindo predominantemente com a recuperação do conceito de império colonial, preconizado pelo Estado Novo. A segunda fase veio a coincidir com o início da autodeterminação dos países francófonos de África, já na década de 50, e com a sublevação nas colónias portuguesas, na década seguinte. Em Angola, esta fase cristalizou-se à volta do Grupo da Província, um conjunto de artistas e escritores que contribuíram para o Suplemento Literário do jornal "a província de Angola", logo a partir da década de 40.
Durante a década de 60, este grupo, apoiado tacitamente pelo governo e pela Agência Geral do Ultramar, veio a ser contestado, na sua literatura comprometida com o regime, por escritores de oposição ao colonialismo e ao Salazarismo, como José Luandino Vieira.
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Em plena década de 60, devido à guerra, o compromisso ideológico de Reis Ventura para com o regime acentuou-se, vindo a sua literatura a ser fortemente condicionada por esse facto. A sua prosa passou a reflectir aspectos panfletários e dogmáticos, características já anteriormente sugeridas na personagem Bolchevique de A Romaria, congregando o reconhecimento do regime e dos defensores do sistema colonial. Nesta transição perdeu-se, contudo, a simplicidade, a clareza e a atracção de uma prosa corrida que o autor desenvolvera nos anos 50. Assim, talvez as suas obras literariamente mais conseguidas tenham sido precisamente as dessa década, merecendo particular destaque os romances que constituem a trilogia Cenas da vida em Luanda – Quatro Contos por Mês (1955), Cidade Alta (1958?), Filha de Branco (1960), bem como o romance parcialmente autobiográfico Cafuso (1956).
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